sexta-feira, 23 de julho de 2010

Serguei: Mister rock n' roll

Serguei: "O que me mantém na estrada todos esses anos é a minha juventude e a minha doideira"



Folclórico, mítico, ícone, freak. O cantor Serguei já foi chamado de muitas coisas. O certo é que o grande público sabe muito pouco sobre este senhor nascido Sérgio Augusto Bustamante, no Rio de Janeiro, em novembro de 1933. As aparições de Serguei na mídia geralmente focam o lado mais pitoresco de sua personalidade, especialmente sua alardeada "pansexualidade" e os encontros com grandes nomes do rock. Pouco falam de seu trabalho musical (tanto o feito no passado, quanto o de agora). E Serguei está na cidade justamente para mostrar seu lado músico. Hoje, seu aparentemente infindável fôlego em cima do palco será posto à prova mais uma vez. Serguei é a principal atração do Sarau Psicodélico, evento que ocupa o América Rock Club esta noite, em Taguatinga.

Ainda em atividade, aos 76 anos, com sua cabeleira desgrenhada, silhueta esguia à Iggy Pop e a característica bocona à Mick Jagger/Steven Tyler, Serguei continua uma figura magnética. O cantor carioca conversou com o Correio na quarta-feira, quando chegou em Brasília. A primeira pergunta da entrevista foi a única respondida prontamente. O restante do bate-papo foi ele quem conduziu - e, em se tratando de Serguei, impossível ser diferente. Basta trazer um assunto à tona e ele começa a falar quase sem parar. Discorre sobre política, internet, samba, rock'n'roll, Saquarema, Janis Joplin, envelhecer, sexo... No meio da conversa, solta pérolas epifânicas, aforismos, devaneios e momentos de sabedoria. "O que me mantém na estrada todos esses anos é a minha juventude e a minha doideira. E a vontade de cantar, de poder expressar todo tipo de sentimento através da música", comentou, fazendo uma ressalva: "Se a música não tiver um cunho de sensualidade e de loucura eu não consigo".

Há dois anos, Serguei é acompanhado pela banda carioca Pandemonium, com quem lançou, no ano passado, o disco Bom selvagem. "Certa vez, nos encontramos com ele no Circo Voador. Conhecíamos a figura dele, mas não as músicas. Quando ouvimos, achamos o som muito louco e as letras uma viagem. Depois de algumas conversas decidimos ser a banda dele. Fizemos então uma nova roupagem para o repertório", conta o vocalista André Ribeiro. "São os melhores músicos que já me acompanharam", elogia Serguei. "E olha que o Celso Blues Boy e o Victor Biglione já tocaram comigo", continua. Sobre o show desta noite, ele adianta que cantará, além de músicas próprias, canções dos Beatles, Steppenwolf, Cazuza e alguns blues. "Vou cantar todo mundo, até mulher dos outros", dispara.

Passado e presente



Serguei não era nenhum menino quando gravou seu compacto de estreia, em 1966. Talvez por isso, em plena época da jovem guarda, seus primeiros registros já se mostravam alinhados com as novas tendências musicais internacionais, em especial com a psicodelia (com direito a muita distorção fuzz e órgãos cheios de efeitos). Já no fim dos anos 1950, ele já circulava pelos meios artístico e boêmio do Rio, acumulando amizades e histórias. Antes de virar cantor de vez, trabalhou como comissário de bordo.

O pseudônimo pelo qual o cantor ficou conhecido vem da infância. Foi dado por um amigo russo que não conseguia pronunciar seu nome de batismo, chamando-o então de Sergei ("Sérgio" em russo). Vivendo entre os Estados Unidos e o Brasil até meados dos anos 1960, Serguei foi apresentado por Laudir Oliveira, percussionista brasileiro que tocava na banda Chicago, a Janis Joplin (com quem, ele afirma, teve um affair). "Na hora, duvidei que fosse ela", lembra. Ela, por sua vez, lhe apresentou a Jimi Hendrix e Jim Morrison ("Comentei como ele era alto e ele riu muito disso").

Testemunha do festival de Woodstock, Serguei sempre pregou uma vida alternativa. Em Saquarema, onde mora desde 1982, ele transformou sua casa no Templo do Rock, onde exibe vídeos, expõe pôsteres, reportagens e objetos relacionados a esse universo. O local conta com apoio da prefeitura da cidade fluminense e já recebeu mais de 20 mil visitantes.

Atualmente, o ganha pão do cantor são seus shows ("Uns quatro ou cinco por mês", contabiliza André) e os trabalhos que faz para a televisão. Há alguns meses, ele pode ser visto em vinhetas do canal pago Multishow. Em breve, irão ao ar suas participações no programa do humorista Tom Cavalcante, do qual integrou o júri da sátira ao concurso de calouros Ídolos, o Ridículos.

Irreverente e rebelde, um autêntico outsider, Serguei tem como herança musical um punhado de compactos psicodélicos disputados por colecionadores nos sebos de vinil (essas músicas e algumas outras raridades foram reunidas em uma coletânea lançada pelo selo Baratos Afins em 2002). Mas seu legado maior é comportamental. Serguei representa muito mais do que o roqueiro mais velho do Brasil. Ele é a personificação de um espírito livre, a concretização da vida alternativa sonhada pela geração hippie e alguém que leva a sério o ofício de performer em uma banda de rock.

Palavras de Serguei sobre



Sexo
Eu sou escravo do sexo, isso com certeza. Sempre fui, e hoje estou insuportável. Eu não fiquei broxa. Dizem que aos 60 anos se perde o entusiasmo. Eu acho que estou entusiasmadíssimo.

Internet
Usar tanto computador é preocupante. Quer trepar, vai pro computador. Quer xingar a mãe dos outros, vai pro computador. Quer dizer I love you, vai pro computador. Não tem nada mais delicioso do que passar na rua e ver aquela garota - ela ou o irmão dela - e trocar um olhar. "Vamos tomar um drinque". Ali pode nascer um grande amor, uma belíssima família.

Brasil
Eu adoro o Brasil, embora faça críticas veementes ao país. Mas não tenho partido político. Fico muito preocupado porque nós somos um celeiro de maravilhas, de riquezas. Na bandeira do Brasil está escrito ordem e progresso. Por que não existe progresso? Porque não existe ordem. Eu me orgulho de ser brasileiro e de a capital do meu país ser no coração do Brasil.

Momentos
Tocar no Rock in Rio 2, quando mandei o público todo se sentar, mais de 50 mil pessoas, desci até eles e cantei Summertime. Ver a Janis cantando em um cabaré do Rio também foi um dos momentos mais marcantes da minha vida.

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